Final de uma bela jornada que não acaba



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Pontes e labirintos



Prezados/as estudantes:

Temos atravessado muitas pontes nesse quadrimestre. Uso essa metáfora para indicar não apenas deslocamentos, mas mutações e transformações. Há uma ponte quando algo muda, quando há passagem de uma forma a outra forma, de uma compreensão a outra, de um estado a outro, de uma ideia a outra... 

O que segue são percepções e análises pessoais. Elas não devem ser interpretadas como julgamentos ou críticas com pretensões totalizadoras, são uma abordagem parcial e subjetiva baseada nas minhas observações e nas minhas experiências estéticas (que não tem como não ser limitadas). 

Primeiro, temos atravessado a ponte da confiança: coloco essa ponte no primeiro lugar porque a confiança é necessária para avançar. Não avançamos se não acreditamos em nós, em nosso trabalho, em nossos colegas, em nossos docentes. Posso dizer que atravessaram essa ponte de mãos dadas e isso é uma grande conquista desse ateliê. Ninguém deixou de atravessar essa ponte! E Alex e Junio deram belos e significativos passos nessa ponte.

Vocês atravessaram também a ponte da experimentação. Essa ponte não se atravessa sem antes ter atravessado a ponte da confiança. Experimentar é saber aprender dos erros, é enfrentar o que não vai dar certo, é atentar contra a ideia de perfeição, é deixar atrás o narcisismo e o medo, é se jogar num mar de incertezas para depois "pescar" alguma pérola desconhecida: algo que não sabíamos, que não esperávamos, que não havíamos degustado nem pensado antes. Experimentar é ter a ousadia de deixar de lado os juízos de valor, as crenças, as definições prévias, nossas zonas de conforto, nossos conhecimentos: dar as costas a aquilo pelo qual nos achamos "bons" e partir "decididamente" em direção a uma terra desconhecida... Diria que todos começaram a enxergar essa possibilidade de experimentar. Em maior ou menor medida todos experimentaram. Alguns de vocês foram mais longe. Nessa travessia da ponte da experimentação quero destacar os processos da Cintia com sua intervenção poético-performática, do Alan que se retirou da cena para elaborar uma obra quase conceitual, do Ivan que explorou as possibilidades de criar um heterônimo viking... Eles chegaram a um lugar novo para eles mesmos, um lugar que não podia ser previsto no início de suas caminhadas no Ateliê.

No caso do Kallin também houve experimentação mas sinto que faltou tempo para que ele pudesse amadurecer mais suas propostas. No caso do Junio tivemos um percurso acidentado mas foi claro que isso não dependeu dele e que havia um desejo e uma decisão muito fortes de se apropriar desse espaço-tempo de criação e experimentação que o Ateliê oferece. O caso do Alex foi notável pelo engajamento de sua participação em todos os experimentos e pela alegria e entusiasmo que trouxe a nosso espaço de trabalho. Sinto também que no seu caso havia muita ansiedade por atingir um resultado e que isso não sempre ajuda a mergulhar mais fundo na fase de experimentação. 

Outra ponte que todos transitaram foi a ponte da pesquisa.  Pesquisar é saber usar as perguntas como bússolas é ir atrás desse "norte" que cada pergunta promete... Há que construir esse caminho, ir marcando os pontos de referência, fazer um registro das questões e possibilidades que aparecem,  seguir ou desenvolver um método, saber redefinir a pergunta que nos guia se for necessário etc. Sinto que ainda alguns de vocês não enxergaram essa parceria entre pesquisa e arte e continuam acreditando que a pesquisa e a busca de outros referenciais artísticos (as vezes bem diferentes daqueles que conhecemos e com os quais nos identificamos) é algo que atrapalha ou que não casa com a natureza do ato criativo... A pesquisa vira então algo burocrático (algo que faço para cumprir uma regra ou um pedido), ou algo inócuo (algo que não impacta realmente no meu trabalho ou na minha forma de ver/pensar/sentir o mundo, nesses casos pesquiso apenas para comprovar o que já sei, para justificar o que já sabia etc.

Cada um de vocês sabe até que ponto chegou com relação a essa ponte... A pesquisa permitiu que a vocês desenvolverem um olhar e uma expertise diferentes daqueles que possuíam no momento de iniciar o processo? Encontraram artistas que ajudaram vocês a enxergar possibilidades novas para trabalhar com as perguntas, os materiais e as formas que iam abordar?  Foram afetados/se envolveram afetivamente na pesquisa? Conseguiram formular alguma pergunta que permite nortear um processo de pesquisa, experimentação e produção artística de grande fôlego que transcenda o Ateliê? Eis perguntas chaves para vocês auto avaliarem seus processos de pesquisa. Os materiais colocados nas postagens não sempre permitem responder de uma maneira fundada essas perguntas...

Vou chamar ponte da condensação essa ponte que permite "ligar" os elementos que foram aparecendo no processo de experimentação e de pesquisa. Um pouco como no processo dos sonhos descrito por Freud, a condensação permite criar um "enredo", uma "trama", um primeiro relacionamento "coerente" dos elementos em jogo no processo criativo de cada um. En nosso caso o enredo implica escolhas, supõe selecionar elementos (temas, materiais, discurso...), avançar na definição de uma poética, encontrar articulações, definir espaços etc.  Não é um processo inconsciente, mas também não é um processo cento por cento consciente... Atravessar a ponte da "condensação" não significa atingir uma obra "acabada"... Significa que a "coisa" está mais "amarrada", já temos um protótipo, algo que se aproxima muito a aquilo que poderia ser uma obra mais "autônoma" que já não precisa de seu autor para comunicar...

Com essas palabras tento diferenciar o que chamamos de experimento (que não deve ter a pretensão de ser uma obra) e o que encontramos "depois" da "ponte da condensação". Já não são experimentos são esboços avançados, estão no umbral...

Destacam-se aqui muitos traballhos interessantes. Posso citar o trabalho da Charlene, a instalação do Claudio, o  performance da Raísa, o trabalho do Vitor, o desenho sonoro do Anderson, o trabalho do Allan, as performances da Cintia e a da Kessia... São todos trabalhos que mereceriam uma esforço adicional na direção de um maior acabamento formal e /ou conceitual que elevaria o escopo delas, sua força, sua autonomia etc... Portanto, vejam nessas palavras um vivo e entusiasta chamado a não abandonar esses trabalhos.

O trabalho da Charlene me lembrou um trabalho de uma artista brasileira Thereza Alves (http://www.mariatherezaalves.org/index.php) que se titula O retorno do lago. São obras que trabalham nessa interface entre arte e curadoria, que visitam a forma exposição  museológica para propor sentidos e experiências que foram invisibilizados, orpimidos. E já que ela está preparando sua viagem a Uruguai, segue um texto em espanhol sobre essa obra: http://rufianrevista.org/portfolio/el-regreso-de-un-lago-arte-contemporaneo-y-ecologia-politica-en-mexico/

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Return of the lake, Thereza Alves

Finalmente, há uma ponte que não precisa ser atravessada no Ateliê. A chamarei a ponte do acabamento. Nesses casos a obra parece finalizada. O autor já não é necessário para explicá-la, justificá-la, não precisa prestar-lhe sua voz. Também, a obra parece ter encontrado uma coerência interna, uma síntese e um equilíbrio. Ela se desenvolve num espaço-tempo que se adequa a sua proposta e o espectador se sente acolhido para apreciar o que ela oferece. Isso não implica fazer um julgamento enquanto a seu valor artístico. Um boceto de Rodin pode ter mais valor artístico que uma escultura acabada de Jeff Koons. Mas aqui, usando essa metáfora das pontes me estou referindo sobretudo ao processo criativo, é ele que estou tentando analisar (e não o valor das obras)... Porque é esse processo criativo que está no centro do Ateliê.   


Esboço. Rodin

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Escultura. Jeff Koon


Nesse segmento, das obras que atravessaram a ponte do acabamento,  daria um especial destaque à instalação da Claudia, ao poema do Ivan, à narração/atuação da Camila, à composição do Lucas e a trilha sonora do Icaro. Cada uma delas, com uma proposta bem diferente mostram o feliz acabamento de um processo criativo que implicou passar por experimentações, pesquisas, condensações e por uma fase final de depuração e aprimoramentos...Houve em cada um deles uma grande desenvoltura técnica para "resolver" os desafios que cada projeto implicava.

Sei que esse breve texto, não responde a todas as expectativas e não se compara à medida do esforço contido em cada um de vossos trabalhos, mas é minha humilde tentativa de fazer o que pedi que vocês fizessem: escrever um texto contendo algumas considerações finais... Uma forma de encerrar essa bela jornada que não acaba.

Obrigado por terem participado desse Atelê. Espero que tenha sido proveitoso, de uma forma ou de outra, para cada um de vocês. Agradeço também pelo apoio no momento difícil que vivi. Essa foi a outra ponte que atravesaram: a ponte da solidariedade, uma ponte que também nos transforma, e como diz o Allan na sua obra, uma ponte que reumaniza...

Até breve!

Martin Domecq





Comentários

  1. Foi uma grande honra para mim. Meu primeiro atelier foi contigo e o prof Puig. Meu último também. Entrei de um jeito, agora sou outro. Nessas pontes houveram trocas, estou levando um pouco de vossas riquezas. Obrigado por tudo, mestre.

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    1. A honra é minha Ivan. Esse Ateliê também foi meu primeiro componente na UFSB. Isso foi no último quadrimestre de 2015.3 ... Quantas coisas passaram em tão pouco tempo! Como crescemos todos!

      Segue o link dessa primeira experiencia de Ateliê Arte e Comunidades:

      http://atelieartesecomunidades.blogspot.com.ar/

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  2. Cada vivência no Ateliê aqueceu minha alma e encantou meu coração. Que a arte continue nos mostrando as respostas ao passo que nos permitimos. A palavra é "Attraversiamo"- "Attraversiamo implica em duas coisas importantes: o ato de atravessar, que traz a idéia de fluir, mudar, avançar. Mas, ao mesmo tempo e tão importante, está conjugada no pronome nós, em italiano, nòi." Atravessamos juntos em cada em contro, pousando no sagrado de cada um. Gratidão Martin! O prazer e honra em vivenciar esse ateliê que tanto desejei, são todos meus. Martin, Sawabona- eu te admiro, te respeito, você é importante para mim (especialmente como referência para minha formação). Gratidão a todos por tudo!

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  3. Quero parabenizar à todos deste componente, construímos pontes e formamos comunidades, atravessamos espaços imagináveis (eu em particular, o medo) e caminhamos em ritmos diferentes, mas para frente... Gratidão.

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  4. AGRADECIMENTO

    Uma ponte
    O conhecimento puro
    Jorrando da fonte
    Do prazer
    Criamos o que criamos
    Por estar conectados
    E não somos apenas artistas
    Nos tornamos mais do que sonhamos ser
    Um mestre e mediador
    Nos encaminhou nesta bela jornada
    Onde sentimos dor
    E felicidade por mais uma etapa alcançada
    Colegas no sentido literal
    Buscando um ao outro
    Para gerar
    Expressões do eu sem igual
    Solidários
    Na hora difícil
    Amigos
    Fruto do convívio
    Só fluem agradecimentos
    Do coração deste pequeno poeta
    E uma emoção
    De ter construído laços tão intensos
    E pontes baseadas na sincera
    União

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  5. Demorei para [d]escrever tudo que passei/passamos nesse mundo maravilhoso que é o Ateliê. Quantos momentos, quantas novidades e surpresas nos foram dadas com o maior carinho e dedicação. Convivemos uns com os outros e aprendemos, cada vez mais, como o outro se sente, como enxerga a si mesmo e ao mundo, como a arte o toca e o transforma a partir de seu interior.
    Maravilhas, maravilhas e maravilhas aconteceram e ainda acontecem a cada instante de experimentação no universo das artes, onde em (m)seu amplo labirinto, conseguimos encontrar aquela ponte que nos leva ao outro lado, mas que sempre, sempre possamos estar abertos a parar no meio dela e enxergar toda aquela imensidão uma vez construída.
    Em meu pensamento, várias coisas passam, chegam, se vão e outras se eternizam, uma delas que nunca esqueci e gostaria que se eternizasse em cada um de vocês também, é que o braço que se apoia em você para subir, é o mesmo que lhe estica a mão para ajudá-lo a atravessar as pontes da vida.
    Vamos!

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  6. 06 de Outubro de 2017. 14:26

    Gratidão é o sentimento que inunda meu coração, que preenche meus pensamentos e que perpassa aos meus olhares... Gra-ti-dão!
    Humildemente agradeço a vc mestre, que com sensibilidade e domínio do papel de educador/orientador e artista, nos conduziu por esses labirintos inicialmente "DESconhecidos" por nós: O das Experimentações.
    Dentro desses labirintos, as experimentações e escrevivências foram inúmeras em nós e nos outros, nos outros e em nós...
    Parabéns Martin, a você que mais uma vez em um Ateliê nos condiciona a alcançar e percorrer caminhos que por hora não nos víamos percorrendo... Nossa! Inevitavelmente esbarramos em nosso cotidiano com a "necessidade" do "acerto" ou "perfeito" ou com os 100%; desconstruir essas paredes e transformá-las em pontes foi maravilhoso, enriquecedor e libertador; passar pelas Dores e Delícias que os experimentos me proporcionaram... Não consigo descrever o que senti, sinto e permanecerei a sentir com esse aprendizado e parcerias.
    Colegas, amigos, parceiros das Artes, amadurecimento, crescimento, sinceridade e muitas experimentações... Minha Gratidão constante!
    Cada dia reafirmo que EU não seria EU se não fossemos TODOS!!! E Complexo seria se não fossemos JUNTOS!!!
    Até sempre!!!

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